quinta-feira, 10 de julho de 2008

Entre Paredes

As quatro paredes, suas velhas conhecidas, foram sua melhor companhia nas horas que passavam daquele dia. A cama desfeita, o telefone que nunca tocava, a mesa quase invisível por baixo dos amigos que ela permitira revisitar: os cds fora da capa, os livros fora das estante, os velhos diários fora do passado. O silêncio era quebrado apenas por uma caixa de som que emitia notas incansáveis da mesma canção.
- Talvez seja hora de mudar... - sussurram as paredes.
- Gosto da melodia. Não sei explicar, se parece comigo. - limitou-se a responder.
Uma brisa gelada entrava pela janela entreaberta e cortava-lhe o rosto. Era inverno, deu-se conta, por isso estava tudo naquele belo tom de cinza. E os toques pareciam mais gelados contra a pele. E parecia mais doce o cheiro da fumaça do chocolate-quente.
Displicente, abriu um livro em uma página qualquer.
- Lembra-se?
Sorriu ao encarar as letras. Lembrava-se. As palavras nunca mais seriam inocentes, a poesia nunca mais seria a mesma. As rimas permaneceram no papel, mudaram os olhos de quem lê.
Olhou para a página em branco do caderno à sua frente. Rendeu-se. As frases pareciam não querer ser escritas naquele dia. Havia tanto o que dizer, mas tudo no mundo parecia tão distante agora. Ela era só o que existia. A tarde tornava-se noite, sem momentos, sem instantes.

3 comentários:

Otavio Cohen disse...

se as paredes falassem, teriam que ser bem discretas...

sabem elas de tudo, sabem mais que os espelhos, porque espelhos nem sempre são gentis. e paredes são só paredes.

sblogonoff café disse...

Seu post me fez lembrar de Roda Viva do Chico Buarque: tem dias em que a gente se sente como quem partiu...
Ai, ai, as paredes comportam as coisas, mas o o universo sempre se expande entre elas. Ou se condensa.
Tudo é irremediavelmente imenso, e ao mesmo tempo tudo é tão ínfimo...
O inverno tem um quê cinza que atropela a ordem natural das coisas !rsrs!

Preciso de chocolates e menos paredes!

Flávio Morais (flavioapu) disse...

Imagine, você sai de casa para trabalhar e enquanto isso os tais CD's começam a tocar aquela musiquinha de um encontro filosófico de amigos, as paredes, graças ao ouvido que tudo ouve, fofocando sobre os segredos pessoais de cada um e os livros contando as histórias e experiências com leitores. Quando você chega em casa, nada disso aconteceu!