domingo, 31 de agosto de 2008

Vida em Linhas

Sou o rabisco da esferográfica
E tudo o que couber em uma página
A cada passo
Um novo traço
A cada amor
Um novo verso.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Conto um Conto

Não conhecia no mundo nem a esperança, nem o desespero. Além dessas, havia um outro tipo de espera que era o simples aguardar. Desprentenciosamente, aguardava que um dia seguisse o outro, e juntos formassem uma fila mais ou menos reta que mais tarde chamaria de "sua vida". E da vida de todos os dias, aprendeu que deveria ter pouco, e que a soma do final seria maior que sua espera. Uma xícara de café forte acompanhado por uma fatia de torta era seu resumo, além das horas gastas no escritório. Dava-se ao luxo de variar os sabores, e de comer bem devagar, olhando o engarrafamento na avenida. O ronco do motor e a buzina dos carros eram a música irritante que embalava seus dias. Mas ela gostava. O barulho fazia calar todas as suas vozes e os momentos se tornavam estranhamente silenciosos.


Quando terminava, pagava a torta e o café com o vale que tinha sobrado do almoço e ia à pé para casa. Fazia sempre o mesmo caminho, ainda que não fosse o mais curto. Uma vez disseram-lhe que havia um atalho, mas ela não deu ouvidos. Preferia passar pelas ruas mais movimentadas, porque tinha medo de pivete. Muitas outras pessoas também escolhiam passar por ali, e frequentemente tinham pressa. Ela tinha pressa, e muitas vezes esbarrava nos outros. Ombros se tocavam sem se perceber e depois sumiam.


Morava no segundo andar, porque não gostava de altura nem de elevador. Sua casa tinha muitos móveis, quase todos bem gastos. Era difícil andar por lá sem ter que se desviar das coisas, mas ela sempre achava que estava faltando algo e dava um jeito de arrumar outra estante para acumular poeira. Talvez fosse apenas uma maneira de preencher as lacunas todas que tinha.


Quando chovia, a água entrava por frestas na janela e molhava o chão, formando manchas disformes nas quais ela teimava em ver desenhos. Se chovia muito forte, parecia que chovia dentro. Tudo ficava alagado e começava a nascer uma angústia, daquelas bem pontudas. Mas ela logo se repreendia e guardava a angústia em uma caixinha de madeira, junto com qualquer outro sentimento forte que ela coseguisse capturar.


Lá também ela guardava os sonhos. Esses ela não ousava esperar que ficassem grandes o suficiente. Mal eles brotavam, ela já guardava na caixinha, umas continhas mínimas. Não que não gostasse deles, achava-os lindos. Quando tivesse o bastante, talvez fizesse um colar colorido para usar em festas.


Em uma tarde quaquer, ela tirou do bolso o sonho de conhecer o mundo. Tinha acabado de pegar um panfleto de uma agência de viagens na caixa de correio, e logo começou a pensar naqueles lugares distantes. Sabia que nunca teria dinheiro ou disposição para sair de sua cidade, por isso saiu logo à procura da caixinha, que estava no alto de uma estante. Escalou as prateleiras, e pegou-a com as pontas do dedos. Não deve ter segurado firme o bastante, pois a caixa escorregou e caiu no chão com um baque surdo. Era sentimento para tudo quanto é lado! Alguns rolaram para o vão escuro debaixo dos móveis e nunca mais foram recuperados. A maioria dissolveu-se no ar, misturando-se de tal forma que não era possível identificar. Ela olhava tudo inerte, meio intoxicada pela atmosfera que se formou. Trânsitava entre a euforia e a tristeza, entre a alegria e o ódio. Não sentia animo para juntar os cacos que sobraram. A solidão rasgou seus pulsos e se alojou próximo ao seu peito, em um buraco que as emoções todas iriam tentar preencher.

O descontrole tomou conta. Era impossível ignorar tudo o que ela sentia. E como não havia nada para fazer, se levantou e foi dormir, esperando que a bagunça de sua vida algum dia devolvesse a calmaria à sala de estar.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Momento

Coisa rara, o sol, o vento e a música. Um momento para pensar, ou apenas não pensar. Permitir-se ficar em silêncio consigo mesma, sem horário e cronograma. Não fazer o esperado, quebrar as próprias regras, um desejo antigo, sempre adiado. Era bom não ter que falar. Não prestar atenção em nada além. Não havia mundo ao redor.

Sem ruído, alguma coisa pareceu se encontrar. Algo qualquer que há tempos não se encaixava. Ela quase não entendeu, mas sentiu. As “estradas erradas que seguiu” pareciam longe demais agora, linhas indefinidas no horizonte.

E pela primeira vez não era a euforia, era apenas felicidade.